quinta-feira, 22 de abril de 2010

Estar chateada - Um post machista

















Há já algum tempo que quero abordar este assunto mas receio sempre que a eloquência me falte e que não consiga retratar bem o tema. Mas hoje chegou o dia de deixar de tentar atingir a excelência que insiste em escapar-me por largos metros e de tentar expressar-me o melhor que posso.

Antes de mais, e como em qualquer análise científica, cumpre começar por delimitar o tema. Vou referir-me à atitude típica da mulher envolvida amorosamente com um homem (bem sei que o contrário também acontece mas é mais raro e, fazendo minhas as palavras de José Régio, não vou por aí) que fica chateada. Aquela reacção que vem após uma qualquer interpretação de um rebuscado significado implícito de uma frase ou atitude masculina por parte do sujeito feminino e que o leva a penetrar num mundo onde toda a lógica desaparece.
Ora, como a minha formação é jurídica e como os juristas são famosos por - à excepção do Marcelo Rebelo de Sousa, Miguel Sousa Tavares e Nuno Rogeiro - só conseguirem falar de coisas de Direito ou relacionarem tudo aquilo de que falam com Direito, vou tentar fazer uma análise jurídica do fenómeno.

O fenómeno costuma começar por uma pergunta, geralmente iniciada pela contra-parte e que pode ser: "estavas a olhar para onde?", "achas-me gorda?", "achas que devia ir à depilação esta semana ou dá para ir só na próxima?", "gostas mais desta ou desta?", "queres ir comigo às compras?" e "porque é que dizes isso?".

Nesta situação a resposta dele deverá ter em conta, antes de mais, uma coisa: quem é que trouxe ou vai levar carro? Quer se encontre em casa dele, dela, no centro comercial, no café, etc. Se é ele que tem carro, então uma resposta honesta pela sua parte poderá adiar o "chateamento" para o momento imediatamente posterior à paragem do carro à porta da casa da mulher. O experiente macho saberá disso e procurará sempre dar boleia a um amigo e deixá-la em casa "de caminho", situação em que, a maior parte das ilustres contra-partes, optará por deixar a discussão para uma SMS, um telefonema (que não será atendido em virtude de se estar no duche ou de se ter deixado o telemóvel no carro) ou para a próxima vez que se encontrarem (altura em que o homem deve fazer questão de levar carro).

1 - É inútil tentar fazer uma reconstituição dos factos porque os únicos que são dados como provados são aqueles praticados por ele (o que não inclui a justificação dada por ele para a sua prática), sendo certo que os praticados por ela poderão ser livremente alterados a qualquer momento e justificados sem qualquer necessidade de lógica.

2 - Uma vez dentro da "bolha ilógica" para que necessariamente será arrastado, ele deve lembrar-se que se encontra em terreno hostil cujas regras são formadas por ela. Uma espécie de "Imaginário do Doutor Parnassus".
Qualquer resposta mais áspera será posteriormente uma justificação para o início de tudo, mesmo que essa resposta tenha vindo em consequência do início. Portanto, o nexo de causalidade muitas vezes funciona de forma retroactiva e, quer tal aconteça, quer não, a conditio sine qua non é a única regra utilizada por ela para incriminá-lo. Só interessa a acção e os efeitos, nunca o que despoletou.
Por outro lado, há que lembrar que os factos praticados por ele, ainda que muito anteriores à discussão em causa, podem ser invocados a toda a hora por ela, sem nunca se poder considerar a sua invocação como ilícita em virtude de prescrição do prazo (esta regra é, naturalmente, unilateral).
Exemplo: "Tu no outro dia empurraste-me". Facto verdadeiro. Possível resposta dele: "mas vinha lá um camião, tu estavas no meio da estrada e isso foi há dois anos". Resposta dela: "Tu no outro dia empurraste-me".
Exemplo 2: "Tu chamaste-me gorda". Possível resposta dele: "tu perguntaste-me se estavas mais magra agora, eu disse que sim e tu disseste que implicitamente estava a dizer que eras gorda antes". Resposta dela: "Então admites?"

3 - Ela tem sempre a presunção inilidível de razão. O ónus da prova que ele aparentemente tem é, na verdade, uma armadilha.

4 - Qualquer discussão anterior, necessariamente ganha por ela por desistência, faz caso julgado.

5 - O Nemo tenetur se ipsum accusare, dentro do qual se encontra o direito ao silêncio, apenas existe da parte dela, embora geralmente seja exercido - não como direito ao silêncio stricto sensu, naturalmente- com uma fuga à questão e com um contra-ataque do género "nem acredito que me perguntaste isso". Qualquer tentativa de exercício deste direito por parte dele resultará por uma condenação em virtude de revelia operante.

Mas qual é então a qualificação jurídica do "estar chateada"? Aqui a doutrina divide-se:

a) Há quem entenda que é se trata de um direito real cujo objecto é a razão. Segundo esta doutrina, apesar de a razão não ser uma coisa material, o uso que dela é feito é tal que é como se fosse. Além disso, o "estar chateada" tem todas as características de um direito real, como passarei a explicar (com recurso ao manual de Direitos Reais de Carvalho Fernandes):

- Inerência - "Significa que o interesse do seu respectivo titular é realizado por ele, pelo aproveitamento imediato de utilidades da própria coisa". Ora, neste caso é particularmente óbvio que o interesse dela é realizado pela utilização da razão enquanto coisa.

- Sequela - "Possibilidade de o direito real ser exercido sobre a coisa que constitui seu objecto, mesmo quando na posse ou detenção de outrem, acompanhando-a nas suas vicissitudes, onde quer que se encontre".
Pois bem, ainda que a razão se situe na posse de outrem, ela nunca passará a ser sua propriedade em virtude de o verdadeiro dono dela ser a mulher. Onde quer que alguém se arrogue a titularidade do direito à razão, se esse alguém for do sexo masculino, então ele não terá senão a posse temporária entre o momento dessa afirmação e a sua chegada aos ouvidos do legítimo proprietário.

- Prevalência - Grosso modo e sem preocupações doutrinárias será a "incompatibilidade, total ou parcial, entre direitos reais sobre a mesma coisa". Ora, fazendo recurso ao exposto nas anteriores características, há que dizer que, mesmo que o homem tenha o usufruto da razão e aja como se dela fosse dono, a verdade é que a mulher, ainda que nua proprietária, é sempre a proprietária da razão e seu direito prevalece.

b) Há quem diga que é um direito obrigacional, em virtude de apresentar também as características deste tipo de direito. Neste caso será um direito de crédito sobre um pedido de desculpas do homem. Apresentarei então as características destes direitos, com base na doutrina de Menezes Leitão:

- Patrimonialidade - "Susceptibilidade de a obrigação ser avaliável em dinheiro, tendo, portanto, conteúdo económico".
Ora, é sabido que nenhum pedido de desculpas será aceite se não vier acompanhado de uma prenda, seja ela flores, peluches (não recomendo chocolates porque depois ficam gordas e vai necessariamente gerar-se outra discussão, ou, o melhor, qualquer coisa em ouro branco.

- Mediação ou colaboração devida - "O credor não pode exercer directa e imediatamente o seu direito, necessitando de colaboração do devedor para obter a satisfação do seu interesse".
Portanto, ela tem de aceitar o pedido de desculpas, o que dependerá sempre do que foi dito na característica anterior.

- Relatividade - a qual, num prisma estrutural, será a seguinte: "o direito de crédito estrutura-se com base numa relação entre credor e devedor". Vista dum prisma de eficácia significa que "o direito de crédito apenas é eficaz contra o devedor", daí que a "obrigação não possa ter eficácia externa, ou seja, eficácia perante terceiros".
Ou seja, podem chamar quem quiserem para pedir desculpas por vocês, mas a menos que tenham contratado uma banda para o fazer (o que já cairá na primeira característica), então o crédito mantém-se.

Não sei qual destes será, mas deixo ao leitor a margem para ver qual lhe parece melhor e à leitora o direito de o decidir.

Beijinhos

11 comentários:

  1. Inclino-me mais para o direito obrigacional. Acho que a vontade da mulher de ter razão é apenas uma razão para que o homem lhe peça desculpas e com isso ela mostrar que até consegue perdoar, apesar de nunca esquecer...

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  2. Nesse aspecto são como os elefantes. Mas não convém dizer-lhes isso.

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  3. ESTA leitora alega que o direito a estar chateada com o "gajedo" se trata de um direito constitucional!

    - Logo no Artigo 1.º da CRP se estatui que a República Portugesa se baseia na VONTADE POPULAR.
    Vejamos que a população portuguesa é maioritariamente feminina.
    É por isso há um Sócrates como 1ª Ministro e um Passos Coelho como lider do PSD e um Nuno Melo na UE.(Por mais manhosos que sejam, têm o seu charme... E as mulheres a votar, parece-me, pensam em tudo menos em política!)

    - O Artigo 2.º, que reforça a ideia anterior, acrescenta que o Estado de direito democrático português visa a realização da democracia cultural e o aprofundamento da democracia participativa.
    Ora, basta uma mulher achar que a amiga tem razão para ficar chateada, para isto ser CULTURALMENTE aceite pelas demais que compõem a sociedade!

    - O Artigo 9.º preceitua ainda, como tarefa fundamental do Estado, defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais (alínea c).

    E que melhor remédio existe para resolver problemas nacionais senão o dar razão a uma mulher???

    Mas isto claro, são elefantices minhas;-p

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  4. O que dizes faz sentido ilustre co-bloguista.
    De facto, atendendo à anulação dos direitos, liberdades e garantias masculinos constitucionalmente consagrados que a mulher leva a cabo (direito à integridade moral do 25º nº1, direito ao desenvolvimento da personalidade do 26º nº1, liberdade de expressão do 37º, etc.), apenas uma fundamentação com base constitucional e, acima de tudo, com base nos princípios básicos da democracia que invocaste, poderá mandá-los pela retrete.

    Então devo entender que é um direito fundamental ou um direito cultural? Ou uma liberdade?

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  5. O outro dia passei por ti e não me falaste, se continuas assim, denuncio-te!!!

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  6. Antes de me denunciares diz-me quem és sff

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  7. Ao Legislador: Tem piada colocares na mesma frase "masculino" e "integridade moral". Julguei que fossem antónimos...
    Para rematar: Caso encerrado enquanto direito cultural. É que eu já não digo nada sobre a liberdade neste país...

    Ao Anónimo: Dão-se alvíssaras por mais informações:-)

    Ao Legislador, sobre o Anónimo: Até teve a sua piada ler o teu ar "choninhas" a pedir SFF...

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  8. Legislador não teme. Simplesmente é de uma educação sem paralelo nos dias de hoje.

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  9. :,-( isto sou eu a fazer beicinho estilo gato das botas do Shrek...

    Com que então EU sou uma bullie cibernética?!...

    Chegou a devida altura de invocar o meu direito cultural de ficar CHATEADA.

    Ai se tivesses razão...
    "tavas-feitinho-meu!"
    "Pa cá os cromos do bollicao!..."

    (Vês como não tenho jeito...)

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  10. Sendo que a palavra "cambada" até tem um certo requinte, sem paralelo nos dias de hoje...
    Faz lembrar a música do Carlos Paião para o Herman José... o "bamos lá cambada"... (nostalgia)

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