Esse momento foi particularmente curto porque breves momentos após o gentil alapar do meu traseiro no frio, metálico e desconfortável banco da estação, houve um sujeito que se sentou ao pé de mim e me perguntou pelo Benfica.
Ora, há poucas coisas das quais eu percebo menos do que desse viril e patriótico jogo, no qual por vezes se canta o hino com louvores aos nossos "igreijos avós", que é o futebol.
Lentamente rodei o pescoço em direcção ao alusitanado espécime de benfiquista que tinha perto de mim (pobre em altura, rico em largura e bigode) e sem querer fazer o já tradicional franzir de ombros que resulta num olhar de desdém em relação a mim e aos livros que por vezes tenho comigo, como que dizendo: "andas na faculdade então não ligas ao desporto do povo", e decidi tentar colaborar naquele diálogo no qual eu esperava, como é tradicional em conversas deste género, que me bastasse emitir um conjunto de opiniões vagas que seriam o suficiente para permitir ao outro lado brilhar de cultura futebolística (mantendo, sempre, em mente que o último jogo do Benfica que vi tinha o João Pinto como titular).
Ora, estando numa estação ferroviária, encontrando-me eu disperso na altura da abordagem por parte do referido indivíduo e tratando-se do Benfica, foi-me, logo à partida, difícil continuar a conversa sem fazer referência ao Enke. Mas, consegui resistir bravamente ao humor de mau gosto que tantas vezes me deixa em situações embaraçosas e que teve o seu último auge no momento em que comparei o comboio das 8.30 da manhã aos de Auschwitz, acrescentando que qualquer maquinista que efectuasse o transporte das pessoas nessa época se demitiria antes de aceitar fazê-lo naquelas condições - motivo pelo qual não houve resposta à minha reclamação escrita.
Com medo de cometer uma gaffe de proporções Santanescas (quem não souber ao que me refiro, pode clicar no link e ler a resposta à 4ª pergunta, ou melhor, à 3ª pergunta porque há uma que é uma afirmação), como a outrora polémica e agora já mais morna e caricata história dos concertos de Chopin em violino.
Aproveitando este breve interlúdio, quero, desde já, referir que percebo perfeitamente porque é que Santana não sabia que Chopin não tinha concertos de violino, mas antes pensava que o nome do citado compositor constituía, isso sim, uma ordem a dar às santanetes.
Eu próprio precisei deste escândalo para descobrir que Chopin não tinha como segundo nome Teresa e não gostava, de facto, de gelados de framboesa. Em compensação descobri que tinha concertos em acordeão.
Retomando a conversa que estava a ter com o referido sujeito, confesso que me estava a sair bem até ele ter subitamente mudado o tema para a religião, sem que eu tivesse apercebido do motivo. Parafraseando o meu recém-conquistado amigo: "é com o Jesus é que nós vamos lá".
Demorei algum tempo a estabelecer a relação sináptica entre o Jesus a quem ele se referia e o Benfica. E foi então que, como que transsexual a passar pelo meio dos Super Dragões, tive uma epifania e lembrei-me de uma notícia que lera no jornal algures no Verão. Recordo-me de ter lido na capa de um qualquer jornal desportivo a seguinte manchete "Jesus demite-se". Se bem me lembro, na altura fui invadido por um profundo pânico e uma súbita vontade de começar a pilhar, por receio que o fim do mundo estivesse próximo. Como me encontrava numa área de serviço, recordo-me de quase ter pilhado uma caixa de Trident das verdes, mas acabei por pagá-las e acabou por se dar o efeito oposto.
Presumo que durante o tempo em que estive a fazer estas relações sinápticas tenha ficado com um olhar vazio e semelhante ao que faço nas aulas de Direito Processual Civil, pelo que o referido senhor se levantou e se foi embora.
Minutos depois chegou o comboio e depois da costumeira sova que implica a entrada neste em hora de ponta, consegui ter um minuto de paz algures entre a axila do senhor das obras e os espirros da senhora que não quer tirar as mãos dos bolsos. Foi então que ouvi: Então o Bento lá foi a andar ahn?
E agora, religião ou futebol?