quinta-feira, 27 de maio de 2010

Como fazer uma oral de melhoria

Ao longo destes 4 anos na FDL tenho participado em várias orais de melhoria e assistido a muitas outras. Participei em algumas de passagem também mas não me referirei a essas porque são muito diferentes.

Noto que o principal problema nas orais de melhoria é a atitude com que se vai para lá.
Muita gente vai com uma insegurança tal que acaba por não conseguir evitar que as perguntas vão calhar exactamente à matéria que pretendem evitar.

Apresento, portanto, a minha sugestão para conseguirem entrar na sala ou no anfiteatro com uma confiança tal que, mesmo que não saibam nada, vão deixar os Professores ou Assistentes hesitantes em vos mandarem embora sem subir a nota.

Fiz um breve vídeo a representar o que se passa na minha mente quando vou fazer melhorias e espero que funcione convosco também.

Cumprimentos,

P:S - Tem de ser visto com som, senão é particularmente estúpido.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Criações jurisprudenciais


Se há algo que existe de caricato no nosso Direito Penal e Processual Penal e especialmente no uso que a jurisprudência dele faz é facto de não se saber qual a medida de utilização do elemento literal para fins de interpretação da lei.

Há um temor generalizado de utilização de conceitos vagos por se entender que estes podem influir na capacidade de apreensão da ilicitude por parte do agente e de poderem levar a incriminações arbitrárias por parte do juiz. Recorre-se, então, a uma interpretação bastante rígida e legalista, centrada quase exclusivamente no teor literal da lei.

Por outro lado, no que concerne à descoberta de causas de desculpa ou de exculpação, a rigidez é menor, uma vez que o Estado de Direito deve estar atento às motivações subjacentes às condutas do agente e deve tentar compreendê-las para, caso seja necessário, as entender como justificadas ou como portadoras de um grau de culpa ou ilicitude diminuídos.

O fundo garantístico destas duas maneiras de interpretar a lei e a vontade de coadunar a punição com fins não exclusivamente retributivos, mas antes de prevenção e inclusivamente de reabilitação, podem, por vezes, levar a situações caricatas.

No célebre caso da "coutada do macho ibérico", diz o tribunal o seguinte:

"Contribui para a realização de um crime de violação a ofendida, rapariga nova mas mulher feita que:
a) Sendo estrangeira, não hesita em vir para a estrada pedir boleia a quem passa;
b) Sendo impossivel que não tenha previsto o risco em que incorre;
c) Se mete num carro, com outra e com dois rapazes, ambas conscientes do perigo que corriam, por estarem numa zona de turismo de fama internacional, onde abundam as turistas estrangeiras com comportamento sexual muito mais liberal do que o da maioria das nativas;
d) E conduzida durante alguns quilometros pelo agente, que se desvia da estrada para um sitio ermo;
e) E puxada para fora do carro e tenta fugir, mas e logo perseguida pelo agente, que a empurra e faz cair no chão; f) Sendo logo agredida por ele com pontapes, agarrada pela blusa e arrastada pelo chão cerca de 10 metros;
g) Tentando ainda libertar-se, e esbofeteada, agarrada por um braço e ameaçada pelo agente com o punho fechado;
h) E intimidada assim, pelo agente, que lhe tira os calções e as cuecas, não oferece mais resistencia e, contra a sua vontade, e levada a manter relações sexuais completas pelo primeiro;
i) Apos ter mantido, a força, relações sexuais, com medo de que o agente continuasse a maltrata-la, torna-se amavel para com ele, elogia-o, dizendo-lhe que era muito bom no desempenho sexual e assim consegue que ele a leve ao local de destino, onde a deixou."

Ora, neste caso temos uma especial atenuação da pena com base na criação jurisprudencial de um novo tipo de ilícito. Uma espécie de crime de violação privilegiada.
O tribunal entende, neste caso, que apesar de ter sido cometido um crime grave, o mesmo deve ser alvo de uma especial atenuação em virtude de se tratar de uma espécie de violação a pedido. Não se trata de uma violação a pedido por, à semelhança do homicídio a pedido, ter havido um pedido sério, instante e expresso, mas antes por a vítima estar a pedi-las.
Aqui a jurisprudência recorre à figura da "violação a pedi-las" devido à indumentária da vítima e à sua nacionalidade, requisitos tão bons como quaisquer outros.

Um segundo caso, desta feita referente ao excessivo apego à letra, aqui, das ameaças proferidas, surge-nos no caso do "tiro nos cornos". Neste caso entendeu o tribunal de 1ª instância não receber a acusação “porque inexiste crime de ameaças (…) simplesmente pelo facto de o ofendido não ter «cornos», face a que se trata de um ser humano. Quando muito, as palavras poderiam integrar crime de injúrias, mas não foi deduzida acusação particular pela prática de tal crime”.

Naturalmente, o MP recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa na esperança de encontrar uma maior sensatez. De facto, este Tribunal recebeu a acusação mas atente-se na justificação:

“Como a decisão (recorrida) não desenvolve o seu raciocínio – talvez por o considerar óbvio -, não se percebe quais as objecções colocadas à integração do crime. Se é por o visado não ter cornos estar-se-ia então perante uma tentativa impossível? Parece-nos evidente que não.” “Será porque por não ter cornos não tem de ter medo, já que não é possível ser atingido no que não se tem ?”. “Num país de tradições tauromáquicas e de moral ditada por uma tradição ainda de cariz marialva, como é Portugal, não é pouco vulgar dirigir a alguém expressão que inclua a referida terminologia.

Assim, quer atribuindo a alguém o facto de “ter cornos” ou de alguém “os andar a pôr a outrem” ou simplesmente de se “ser como” (…) tem significado conhecido e conotação desonrosa especialmente se o seu detentor for de sexo masculino, face às regras de uma moral social vigente, ainda predominantemente machista”. “Não se duvida que, por analogia, também se utiliza a expressão “dar um tiro nos cornos” ou outras idênticas, face ao corpo do visado, como “levar nos cornos”, referindo-se à cabeça, zona vital do corpo humano.

Já relativamente à cara se tem preferido, em contexto idêntico, a expressão «focinho»”. “Não há dúvida de que se preenche o crime de ameaças (…) uma vez que a atitude e palavras usadas são idóneas a provocar na pessoa do queixoso o receio de vir a ser atingido por um tiro mortal, posto que o local ameaçado era ponto vital”.


Portanto, a utilização da expressão cornos vem da tradição tauromáquica portuguesa e do cariz "marialva" tipicamente português. Questão óbvia: se eu ameaçar dar um pontapé nos tomates deste juiz, estarei a ser influenciado pela forte tradição agrícola portuguesa?

Repare-se no carácter formalista e completamente destacado da realidade de um juiz que na expressão "dar um tiro nos cornos" não vê uma ameaça, devido à inexistência de proeminências osteo-cranianas na testa de um indivíduo e no outro que justifica a sua decisão recorrendo a jargão da década de 60 conciliado com uma invocação barranquenha a uma tradição tauromáquica. O juiz acrescenta ainda, para informação dos restantes juízes e fixando jurisprudência na matéria, o seguinte: "se for focinho também é ameaça".


sexta-feira, 14 de maio de 2010

Saldanha Sanches


Morreu hoje uma das grandes personalidades da Faculdade de Direito de Lisboa.
Homem de convicções inabaláveis e personalidade forte, o Professor Saldanha Sanches foi sempre um homem inconformado com as injustiças e destemido na afirmação da sua oposição contra elas, fosse quem fosse o seu protagonista.

Foi um homem que toda a vida remou contra a maré e que nunca desistiu da prossecução do seu ideal de Justiça. Os anos passaram por ele mas a garra que outrora levou ao seu aprisionamento manteve-se com a mesma ferocidade, tendo-se inclusivamente revelado de um carácter particularmente incomodativo para alguns dos seus colegas da Faculdade de Direito de Lisboa.
As suas convicções políticas e a bravura que demonstrava na defesa firme da sua posição foram fortes ao ponto de intimidarem alguns dos seus pares, que fizeram questão de o tentar atirar para o poço da infâmia e da vergonha públicas mediante a reprovação do seu trabalho científico e reiterada tentativa de afastamento e descredibilização.
Saldanha Sanches manteve-se intocável e permaneceu na Faculdade que o rejeitou. Mostrou que não estava lá pelos Professores, mas antes pelos alunos.

Aos Professores que tentaram fazer o que (nem a tortura da PIDE fez e que) apenas o cancro conseguiu desejo uma longa vida cheia de insónias. Àqueles que sempre o apoiaram deixo os meus sentimentos pela perda de um grande homem.

A Faculdade não faz luto mas os alunos do Professor fá-lo-ão à sua maneira.