domingo, 28 de fevereiro de 2010

Mário Crespo

"Ter opiniões é estar vendido a si mesmo. Não ter opiniões é existir. Ter todas as opiniões é ser poeta" Fernando Pessoa















Geralmente abstenho-me de publicar seja que opiniões forem acerca do mundo político, em parte porque percebo quase tanto de política como de futebol, em parte porque apenas teço considerações com base em factos "beyond reasonable doubt" (noutra parte porque todos os políticos me convencem e acabo por não saber em quem acreditar). Porém, este indivíduo cujo próprio apelido está em contradição com a calvície que ostenta naquele polido (este sim, um valente cronista) crome-dome, começa a agitar-me os fígados.

Reconheço o direito de qualquer um à sua opinião e respectiva manifestação, tal como reconheço a liberdade de imprensa temperada apenas pelos limites legais e - desejavelmente - de fundamentação lógica e sustentável.
No entanto, entendo que uma opinião, para ser publicada num jornal, deve ser apresentada com base nas seguintes premissas: apresentação do problema, apresentação dos factos, interpretação dos factos, relação entre os factos apresentados como suporte do problema e a tese que se pretende sustentar e, por fim, conclusão.
Quando a opinião é fundamentada naquilo que um amigo nosso nos contou que um Primeiro-Ministro disse em conversa num espaço público com outras figuras públicas e se aproveita um cenário político já de si "inflamável" para se publicar uma crónica que será necessariamente interpretada pela opinião pública como correspondente à opinião da redacção do jornal, então temos de colocar um limite.

Bem sei que uma crónica é um espaço de livre opinião e que, muitas vezes, vemos escritas baboseiras que não lembram a ninguém e que, ainda assim, são legitimamente expressas com base naquele direito constitucionalmente garantido e fundamental da democracia que é a liberdade de expressão. É mais ou menos como dar uma tela e um pincel para as mãos de alguém. Tanto pode sair uma Mona Lisa como uma cagada à  Pollock que até pinta o chão e a parede. Mas ainda assim, se demos o pincel para as mãos (aguardo um comentário Priapista para esta expressão), temos de aguentar as consequências - ou, caso assim pretendamos, cabe-nos a nós forrar o chão a papel de jornal para evitar semelhante situação (de preferência utilizando as páginas das crónicas do Mário Crespo).

É certamente uma restrição (e aqui não utilizo o termo jurídico-constitucional do termo, mas sim o conceito social de restrição) à liberdade de expressão de um jornalista dizer-se que este não pode publicar a sua opinião por ela ir contra o poder político. Não é, contudo, inadmissível a proibição da publicação de uma crónica num jornal simplesmente por a gravidade das acusações não ver qualquer tipo de correspondência na força da sua fundamentação. Quer isto dizer que qualquer opinião numa crónica deve ser fundamentada em factos indesmentíveis e susceptíveis de serem apresentados como prova? De todo. Estamos perante um artigo de opinião e não perante um artigo científico. Mas há que reservar ao Director do Jornal o poder de evitar a publicação de acusações e calúnias fundamentadas apenas e só naquilo que um amigo nosso nos disse que ouviu ser dito num restaurante público. Especialmente quando estamos perante políticos extremamente inteligentes e calculistas - como é o caso de José Sócrates, quer gostemos que não gostemos dele - que dificilmente deixariam escapar em público, especialmente no contexto em que vivemos, urros de raiva contra jornalistas específicos e desejos de os silenciar, o que só serve para descredibilizar ainda mais a fonte.
Quer dizer que se eu, em público, disser que estou capaz de cortar os tomates ao gajo que me riscou o carro, devo poder ser acusado em hasta pública de tentativa de castração em retaliação de danificação do meu património? Bem sei que o Primeiro Ministro não é qualquer pessoa, mas ainda assim é alguém que tem todos os direitos de um cidadão comum, ainda que alguns tenham uma menor intensidade.

Não simpatizo com o Governo, não tenho orientação política específica e as minhas convicções políticas são retalhos arlequinescos de coisas que vi, li e ouvi. Mas antes de cedermos a esta histeria em massa e a esta absorção sem filtro de opiniões de autoridades e da maioria simplesmente pela sua natureza e a esta medieval festa no caminho para a fogueira dos condenados não-julgados, é melhor pararmos, ouvirmos e pensarmos.

Cumpre ainda acrescentar que um artigo de opinião é uma manifestação de interpretações e conclusões com base em factos ou simplesmente em sequências de raciocínio. Não cabe, a meu ver, no artigo de opinião, a simples apresentação de factos, cuja prova é impossível e dificilmente admissível, ditos indesmentíveis, para total apresentação do pensamento. Cabe perguntar se a posição que era defendida antes da apresentação desses "factos" não terá sido o motivo pelo qual eles foram apresentados, agora sob a impenetrável armadura de uma confissão alegadamente obtida através do PIDEsco método da escuta das conversas da mesa do lado.

Um amigo meu acha que é isto...

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