terça-feira, 8 de junho de 2010

Natureza jurídica da burrice




"É falso que é permitido passar do oitavo para o décimo ano. O que é permitido, como já estava indicado genericamente, é que os alunos com mais de 15 anos e que têm o oitavo ano podem fazer o exame do nono ano", afirmou José Sócrates.

Há dias vinha no carro a ouvir as notícias e ouvi esta.
Na altura não me preocupou minimamente e continua sem me chocar, uma vez que, como é referido na notícia, "para isso, é preciso que se autoproponham às provas nacionais de Português e de Matemática do final do 3.o ciclo, em Julho, e façam ainda os exames a nível de escola em todas as disciplinas do 9.o ano" e que "em caso de aproveitamento, transitam directamente para o 10º ano".
Basicamente é o que já se pode fazer no ensino secundário mas tem levantado muitos problemas, nomeadamente no seio do CDS-PP.

Tenho a convicção de que quem precisa de recorrer a estes métodos para passar no ensino básico para atrasados que vigora hoje em dia, ou se está a borrifar para a escola ou não ia chegar assim tão longe de qualquer maneira.

Aquilo que mais me intrigou foi, como em tudo na vida, em que categoria jurídica integrar esta medida do Governo.
Foi só quando, com o intuito de poupar gasolina no pára-arranca, contornei um peão no meio da passadeira que percebi. "Vai pró c******"!" - exclamou a velhota enquanto agitava no ar a parte do andarilho que conseguiu segurar após eu lhe ter levado o resto com o pára-choques.

Aí veio-me uma das típicas epifanias e cheguei à conclusão que se tratava de uma dação "pro solvendo". Neste caso, nos termos do art. 840ºCC, é permitido ao aluno, leia-se, burro, executar uma prestação diversa da devida (os exames) para que o credor, leia-se, o Estado enquanto entidade que necessita de apresentar bons resultados académicos a Bruxelas, proceda à realização do valor dela e obtenha a satisfação do seu crédito em virtude dessa realização.

Trata-se de uma dação "pro solvendo" e não de uma dação em cumprimento do art. 837º CC porque, como refere Menezes Leitão no Volume II do seu Manual de Direito das Obrigações, naquela "a realização da prestação diversa da devida não visa obter a imediata exoneração do devedor, mas antes proporcionar ao credor uma forma mais fácil de obter a satisfação do seu crédito, através da transformação em dinheiro [leia-se, em passagem para o ensino secundário] da prestação que for realizada. Assim, enquanto na dação em cumprimento se verifica uma causa distinta de extinção das obrigações, na dação 'pro solvendo' há apenas um meio de facilitar o cumprimento das obrigações".

Em suma, o aluno não transita de ano e o Estado entende que tem um crédito perante ele, especialmente tratando-se de ensino público, porque não quer estar a investir só para o/a jovem ter cartão de estudante e poder usufruir de descontos no cinema e McDonald's. Logo, o Estado permite ao aluno devedor que pague a sua dívida mediante a realização de uns quantos exames.

E é mais ou menos isto que tinha para dizer...