sexta-feira, 19 de março de 2010

O Coito



Após alguns anos de estudo de Direito cheguei à conclusão que afinal as minhas primeiras noções jurídicas vieram muito antes de eu saber sequer ler.
Não me refiro à distinção entre o bem e o mal e às questões éticas básicas que nos são transmitidas pelos nossos pais e das quais o Direito se apropriou para fundamentar muitas das suas decisões. Refiro-me a coisas que as crianças sabem e que aprendem umas com as outras, refiro-me àqueles jogos que ninguém sabe se foram inventados ou se são todas as crianças que os descobrem sozinhas. Àquelas regras estritas e gravadas em pedra, absolutamente inquestionáveis e cuja fundamentação é tão óbvia que um "porque sim" basta para que a mera tentativa de roçar a sua legitimidade caia por terra.
Regras de tal forma intrínsecas à condição humana que acabam por ser posteriormente positivadas em ramos como os Direitos Reais, o Direito Penal e Processual Penal ou o Direito Fiscal e que fazem parte da nossa consciência jurídica, acabando por fundamentar até opções culturais, sociais, económicas e políticas.

Vejamos o primeiro exemplo. O princípio da prioridade do registo expresso no Código do Registo Predial (que neste momento se encontra noutra divisão e que por isso não vou indicar o número do artigo). Se perguntarmos a uma criança (trocando os termos por miúdos) porque é que o primeiro registo prevalece sobre o outro ela dir-nos-á, sem ter tido quaisquer ensinamentos de Direitos Reais: porque ele foi primeiros.
É simples, inquestionável, não tem base legal e funciona. Quando se é primeiros, é-se primeiros. Se ambos querem brincar com o mesmo boneco, é aquele que pegou nele em primeiros que vai brincar.

Segundo exemplo. O princípio da culpa. Grosso modo e sem grandes preocupações terminológicas diz o seguinte: a pessoa deve responder na medida da culpa que teve na prática ou omissão de um determinado acto. Se eu dou um tiro em alguém e o deixo a esvair-se em sangue e essa pessoa posteriormente leva com um raio que acaba por ser a sua causa de morte, então eu não serei punido por homicídio mas antes por tentativa.
Em suma, quem tem a fama tem o proveito. Se vou para a cadeia por ter cometido um homicídio, ao menos que tenha o proveito de ser a efectiva causa da morte. Se me vão pôr atrás das grades por tirar a vida de alguém então deixem-me tirar a vida a alguém.
Isto não difere muito do "tu foste o último a tocar". Qualquer criança que tenha de deitar fora um papel e consiga enganar o colega para que ele segure nesse papel, então é este último que tem de o deitar fora. Se esse colega deitar o papel para o chão, então o primeiro não é responsável porque ele não foi o último a tocar.

Terceiro exemplo. Nulidade da prova processual penal. Uma câmara de um multibanco apanha uma pessoa do outro lado da rua a roubar um carro. A prova é inválida.
Porquê? Porque "não vale" e como não vale, "tá stop". Se "tá stop" então "não sei de nada", não vale.

Quarto exemplo. Não retroactividade da lei fiscal. É proibido ao Estado criar impostos que tenham de ser pagos por épocas correspondentes antes à data da sua entrada em vigor.
Porquê? Porque "tu não avisaste". Qualquer criança a jogar às escondidas e que esteja à procura dos colegas escondidos sabe que, finda a contagem para destapar os olhos, tem de avisar que vai a caminho ou, no mínimo, antes de afirmar que viu alguém tem de gritar "um, dois, três, ... não salva ninguém". Senão não vale porque ele não avisou.

Tudo isto para chegar ao último exemplo. O Coito.
Recentemente o PS, juntamente com o PSD, decidiram, num esforço conjunto para capturar receitas fiscais e reintroduzir em circulação o dinheiro ilegalmente transferido para offshores, permitir àqueles que para lá o deslocaram ilegalmente, transferi-lo de volta para Portugal pela módica quantia de 5% dos montantes em questão.
Portanto, o Estado estava a brincar à apanhada com aqueles senhores, no entanto, como em qualquer jogo da apanhada, como as crianças se cansam de correr, há que haver um porto seguro, um "coito" onde "não vale" apanhar. No entanto, o coito tem um limite. Não se pode ficar no coito o jogo todo, não só porque não tem piada, como "porque sim".
Por esses motivos, para se vir para o coito tem de se ser rápido e de ter oportunidade para sair de lá sem ser apanhado.
Toda a gente sabe que quem está a apanhar não pode ficar colado à pessoa que está no coito à espera que ela tire de lá a mão para a apanhar de seguida. Daí que quem está a apanhar tenha de "dar espaço".
E mais, aqueles que já foram apanhados - e estão sentados à espera que os salvem ou que o jogo acabe - não podem alegar que não sabiam que o coito era ali ou que enquanto eles estavam a jogar não havia coito. Não, porque isso não vale.

Conclusão: As coisas são simples. Nós sabemo-las enquanto crianças, questionamo-las e complicamo-las enquanto adultos e acabamos por dizer o mesmo por outras palavras.
Não sei se o melhor do mundo serão as crianças. Mas parece-me que podem muito bem ser o melhor legislador.

domingo, 14 de março de 2010

A vida sexual de Cavaco Silva (Actualizado)

Confesso que há já algum tempo que o Presidente da República me irrita.
O facto de não falar sobre o que deve, falar sobre o que não deve e às vezes falar sem que se saiba se falou do que devia ou não, andava a moer-me havia já algum tempo.
No entanto, foi só quando vi a Grande Reportagem da SIC sobre o dia do Presidente da República que tive um "snap".
Aqueles formalismo e moralismo forçados, aquela constante referência a si próprio enquanto Presidência da República, a constante referência ao quão simples o casal presidencial é e como gostam de coisas do povo, mexeu-me com os fígados.
Em resultado, decidi fazer uma montagem e compor uma entrevista que me teria dado muito mais prazer a assistir do que àquela infeliz reportagem que passou na televisão.

Não tive muito tempo para a fazer por isso desculpem lá qualquer coisinha
Todas as filmagens e vozes são directamente tiradas da dita reportagem à excepção da voz abichanada do entrevistador.



(Cena cortada no fim)

segunda-feira, 1 de março de 2010

Acordo Ortográfico

Ilustres frequentadores d'O Legislador Ordinário,

Chega uma altura na vida de um homem (e de uma mulher, desde que não o diga dirigindo-se a um homem) em que temos de dizer: não!

Recentemente foi criado um grupo no Facebook para os opositores do Acordo Ortográfico, agarrados à velha língua (ah, saudades da velha língua) lusa e que se opõem à colonização linguística por parte das nossas ex-colónias. Geralmente não me junto a grupo nenhum por nada abaixo de Gang-Bang, mas a verdade é que a ideia de ser legalmente obrigado a dizer "tomar na bunda" e a ver-me vedado o direito de "gozar com homens" põe-me biruta.

Quanto à utilização do trema ( ¨ ), ainda concedo. Demorei anos a dizer a palavra exequível por receio de, incorrectamente, pronunciar ou omitir o som do "u". Agora recuso-me a viver em constante medo de ser violentamente esbofeteado de cada vez que pedir tapas num restaurante ou a receber sorrisos de escárnio de cada vez que pedir uma Bocata.
E, acima de tudo, recuso-me a adoptar o insulto "moleque pentelho" para tratar mal crianças.

Por tudo o exposto e por muito mais, apelo a que se rebelem contra o Acordo Ortográfico e que mandem os cafajestes (sim, é com j e não com g, vá-se lá saber porquê) viadões que se lembraram disto sentar-se numa rola ou num pinto e ir para o agasalho-de-pica da garota de programa da mãe deles. Porra!